Depois de um Natal carregadito de comida da boa, nada como ir fazer dez quilómetros no centro de Lisboa. A febre da corrida instalou-se rapidamente e até haviam pessoas no comboio a caminho da prova já vestidas a rigor e com o dorsal colocado. No local da prova havia malta com toucas na cabeça e outros com frases nas costas do tipo “Vê-la se me apanhas”.
Como foi a nossa primeira vez na corrida de São Silvestre partimos bem atrás onde o senhor do megafone era quase imperceptível. Houve várias partidas por isso a multidão avançava muito lentamente e com várias paragens parecendo a IC19 em hora de ponta.
A corrida finalmente começou para nós e começou o também os vários “com licença” e “desculpe” por causa dos toques nas ultrapassagens e foi coisa para durar uns bons dois quilómetros. Havia muita gente a assistir e alguns tonis que queriam viver a experiência de perto ao fingirem que corriam connosco e a tirarem selfies enquanto “corriam”. Entretanto perdi o meu amigo de vista, deve ter sido mandado parar numa operação stop.
Foram tiradas muitas fotos, houve muita gente a bater palmas e a gritar frases de incentivo e outros a dizerem que ainda faltava muito. Desviei-me de sinais, pinos e de pessoas que aproveitavam a corrida para por conversa em dia. Penso que foi a primeira vez que dei a volta à rotunda do Marquês sem fazer uma única paragem.
No final distribuíam medalhas e mantas. Alguém que desconhecesse que tinha acabado de terminar uma corrida e visse tanta gente embrulhada em mantas amarelas podia pensar que era um encontro de sem abrigos. Acabei a prova sem saber muito bem qual foi o meu tempo mas acho que não deu para ficar em primeiro. Se por algum milagre eu tivesse engordado no Natal, depois desta prova já teria voltado ao meu estado normal.
O Natal já se estava a aproximar e mais uma vez um Pai Natal de chocolate conseguiu sair de uma prateleira de supermercado e foi explorar o mundo.
Conheceu Oscar, o labrador hiperativo e tentou o convencer a ser uma das renas do trenó mas rapidamente percebeu que ele não queria ouvir nada do que ele tinha para dizer, só queria que lhe atirassem a bola para ele a ir buscar. A integridade física do pai natal esteve em risco.
O Pai Natal respeita todas crenças e nacionalidades mas no dia do Sporting contra o Besiktas não gostava de turcos. Um dia foi ver a praia ao final do dia e apesar de não saber nadar foi molhar os pés. No dia seguinte ficou em casa com febre de sábado à noite.
A chuva chegou mas o Pai Natal conseguiu arranjar um chapéu-de-chuva à sua medida. Arranjou também um sabre de luz porque apesar de nunca ter visto um filme do Star Wars não se falava noutra coisa e achou por bem entrar no espírito da coisa. O lado negro da Força não recebeu presentes este ano. Não viu nenhum Star Wars mas viu várias vezes o Sozinho em Casa 2 e viu o Natal dos Hospitais do princípio ao fim.
Com o passar do tempo começou a se sentir sozinho e criou um perfil no Tinder que dizia: “Made in Polónia, gosto de viajar, longos passeios na praia e de renas. Procuro amizade e quem sabe algo mais. Sou um doce de pessoa”. Não conseguiu correspondências.
Começou a ir a bastantes jantares de Natal e após uma noite de abusos acordou na máquina de lavar e não sabia onde tinha deixado o trenó. O Pai Natal tornou-se alcoólico mas não houve tempo para intervenções.
Na noite de Consoada o Pai Natal bebeu mais do que devia, tirou a roupa e começou a passear pela casa até adormecer em frente à lareira onde lentamente se começou a derreter. O Pai Natal de chocolate teve uma vida curta mas preenchida.
O Natal é a altura do ano em que se juntam amigos e colegas para comer e beber. Tanto podes ir parar a Massamá ou à Estufa Fria que acaba sempre por haver um dose considerável de indivíduos alcoolizados.
Estacionar em Massamá é complicado e no sítio onde haviam bastantes lugares para parar estavam para lá de cinco tipos de aspeto duvidoso de volta de um carro a tocar música regional. Achei melhor estacionar noutro local que ficava quase a um quilómetro do sítio. Este Natal quero continuar a ter o meu carro vivo e funcional.
Fui o último a chegar porque trabalho por turnos e é complicado. Havia tanta comida na mesa que saímos todos a rebolar e ainda voltámos no dia seguinte para acabar com o resto.
Nos jantares de empresa ganhas sempre novos amigos que juram que és o maior mas que no local de trabalho nem bom dia te dizem. Aparecem os dançarinos que são fortes candidatos a acabar a noite com a gravata na cabeça, os fotógrafos não oficiais que querem tirar fotos com todos, os encostados ao bar que não querem ficar longe da bebida e têm uma vista geral da festa e as invasoras de palco que normalmente são mulheres com mais de 40. Há quem acabe a noite enrolado com a miúda que até parece gira na altura, quem acabe em cima da coluna na última música ou quem fique fora do recinto às voltas porque já não sabe onde é que deixou o carro.
O jantar era na Estufa Fria, a comida não era muito variada e como já cheguei algo tarde depois do segundo copo de vinho já tinha que gastar senhas. Felizmente há sempre alguém que vai embora cedo e dá as senhas ou aquele que arranja sempre mais senhas que o comum dos mortais e acaba por as distribuir pelo resto. Os GNR apareceram para tocar umas músicas e a faixa etária da pista de dança subiu drasticamente. Acabei por sair da festa à boleia do pessoal da iluminação antes que ficasse perdido na estufa.
O Natal também é altura do emigrante voltar às origens e juntar-se aos amigos. O casal que agora vive em terras de sua majestade marcou o ponto de encontro num café em Rio de Mouro e apareceram um número considerável de pessoas, desde a bebé sorridente ao queixoso da ciática e até o trabalhador por turnos marcou presença porque estava de folga. A polícia também fez questão de aparecer porque estávamos em Rio de Mouro e é normal isso acontecer.
A noite acabou a bebermos ginga enquanto ouvíamos a história do ninja de branco que passeava a sua espada pela serra de Sintra e o guarda noturno que não queria dizer quanto é que ganhava e não sabia usar o walkie-talkie.
A minha reforma só deverá começar aos oitenta anos mas mesmo assim já tenho objetivos traçados para essa altura:
Em poucas semanas serei o campeão indiscutível de dominó e farei parte da dupla imbatível do jogo da sueca no café da esquina. Os adversários irão tremer quando ouvirem o meu nome e não será só por causa de Parkinson.
Serei presença assídua nos programas da manhã para bater palmas até que as mãos me doam e de tarde irei ligar a todos os programas de opinião para desabafar e dizer que gosto muito da apresentadora.
Nas alturas em que estiver sentado no banco do jardim virados para a estrada não estarei apenas a olhar para o vazio mas sim a jogar às matrículas e serei o melhor. Irei gravar as minhas iniciais no banco.
A troco de bom dinheiro irei dar o meu testemunho favorável ao Cálcio + que existir nessa altura. Direi que fiquei muito mais ágil e sem dores mesmo que nunca tenha tomado nenhum.
Na época natalícia serei o Pai Natal do shopping mais perto de casa para ouvir parte dos pedidos de uma ou duas crianças e para meter conversa com as ajudantes crescidas e saudáveis.