No primeiro confinamento consegui evitar, mas tudo aponta que neste já não irei escapar: Vou precisar de cortar o meu próprio cabelo. Pareço cada vez mais o fruto da relaçãode um elemento de uma banda de covers dos Beatles com um cão de água. Há vídeos no Youtubeque ensinam a cortar o próprio cabelo com recurso a fita cola,mas tudo me parece demasiado arriscado, inclusivé a inscrição no canal do cabeleireiro da internet. Sempre posso rapar o cabelo com a velhinha máquina que comprei numa loja do chinês, mas tenho a perfeita noção que o formato da minha cabeça não é compatível com um corte tão radical. Será uma boa altura para passar a usar gorro em todas as ocasiões.
Em casa vou passeando através das fotos que tirei em viagens sem covid e por tudo o que o Perseverance vai captando em Marte.No planeta vermelho não é preciso usar máscara cirúrgica ou PFF2, mas um fato espacial é altamente recomendado. Os Daft Punk já devem estar a caminho de Marte para gozarem a reforma. Em terras marcianas eu encontraria paz, sossego, calhaus e poeira vermelha, poeira essa que pode ser algo prejudicial à minha rinite alérgica. Nem em Marte eu escapo aos anti-histamínicos. O Perseverance ainda não detetou sinais de vida em Marte,mas captou o som de vento marciano, o que significa que esta altura não é boa para uma escapadinha de fim de semana. Mais vale ir comer um Mars sentadinho no sofá e rever o Perdido em Marte.
Dez pontos de vantagem sobre o segundo lugar é uma vantagem considerável, mas há que acalmar os ânimos porque estamos a falar do Sporting Clube de Portugal. Ser sportinguista nunca foi fácil. Estamos a falar de um clube que não levanta o troféu de campeonato há 18 anos e que pelo meio perdeu uma final da Taça UEFA em casa, viu Bryan Ruiz com a baliza escancarada chutar a bola para a lua, e que sofreu uma invasão terrorista na Academia pelos seus próprios adeptos. Pelo Sporting passaram vários craques de nível coise que não conseguiram ser campeões tais como: Piris, Bojinov, Castaignos, Barcos, Sinama-Pongolle, Koke, Shikabala, Gladstone e Joãozinho.
Não é altura de reservar rotundas, cruzamentos, entroncamentos ou ruas sem saídapara festejar. Há que ignoraros comentários dos vizinhos benfiquistas e do dono café onde compro o pão, que já consideram o Sporting campeão. Há que resistir à vozinha na minha cabeça que me diz que devo pintar o cabelo de verde. Ainda há muito campeonato pela frente, o Sporting ainda tem que ir ao Dragão, a Braga, ao estádio da Luz e a Fátima de joelhos. Tenho uma garrafa de vinho Sporting por abrir e lavei ontem o meu cachecol verde e branco. Há que ter calma e encarar um jogo de cada vez.
Dias em casa, dias para tentar secar a roupa. Apesar de ter um telemóvel novo continuo a receber previsões de chuva para os próximos dias,por isso há que aproveitar uma qualquer semelhança a bom tempo para colocar o estendal na rua. Passo o resto do dia à coca, não vá uma sacana de uma nuvem descarregar nos meus boxers favoritos. Preciso de lavar as janelas, talvez o façano próximo confinamento. As noites são passadas com a roupa húmida em cima do aquecedor a óleo.
Nas minhas limpezas encontro cotão em todo o lado, até no umbigo. Não percebo como o meu humilde T0 gera tanto cotão. Acredito mesmo que enquanto durmo o cotão se reproduz como os coelhos, só para eu no dia seguinte estar entretido a varrê-lo.
Os meus passeios higiénicos vão passar a ser feitos de t-shirt manga cava, percorrendo a Santa Casa da Misericórdia, a Segurança Social, lares, paróquias, pastelarias e casas de costura,na esperançadeencontrarum restinho de vacina sem dono.