Cantar de galo
Passei uns dias de férias na aldeia de Alte. Sempre achei uma boa ideia viver numa aldeia, longe da confusão e dos stresses da cidade, desde que não tenha galos.
Ainda o relógio não marcava as sete horas e o galo de Alte já entrava em ação. Cantava alegremente, em alto e bom som, para toda a vizinhança ouvir, numa espécie de concerto interminável, para o delírio das suas fãs galinhas e para o meu desespero, conseguindo ser mais incomodativo que os sinos da igreja. Não percebia a razão para tanto alarido, talvez o galo estivesse a festejar mais uma vitória no Campeonato de Luta de Galos Algarvios (CLGA). As altas temperaturas, que se faziam sentir, obrigavam a janela do quarto a permanecer aberta, mas uma simples janela fechada não seria capaz de amortecer o som das cordas vocais do Bocelli galináceo. Já começava a sentir saudades do barulho dos carros a passar, das apitadelas e do camião do lixo a fazer a sua recolha.
Vários foram os pensamentos assassinos que me passaram pela cabeça tais como: o raio do galo não passa de hoje; vou torturá-lo com as suas próprias penas; faço uma canja e abandono a cabeça dele à porta da igreja, para a celebração da missa do galo. Mas os dias passaram e eu acabei por nem sequer me cruzar com o galo. O calor foi mais forte que a minha sede de vingança.
Como se não bastasse o galo despertador, certo dia um vizinho decidiu, às sete da matina, que era uma boa altura para montar um andaime e caiar paredes. Alte pode já não ter um recolher obrigatório, mas tem um acordar forçado.