Chaves de casa à beira-mar
Ia eu concentrado em mais uma corrida pelo passeio marítimo, a ouvir música de runner, quando sinto as minhas chaves de casa a cair. Pensava eu que tinha as chaves bem guardadas numa braçadeira de telemóvel, mas o plástico frontal separou-se da braçadeira, originando assim a abertura perfeita para a fuga das chaves. Para o azar ainda ser maior, estava a correr junto a grandes pedregulhos, o que fez com que as chaves saíssem disparadas para as suas entranhas.
Apesar de tudo consegui avistá-las, mas o salvamento seria bastante complicado. Precisaria de um pau comprido, um arame e muita habilidade. Lembrei-me de há uns anos ter resgatado um telemóvel algures nos pedregulhos do passeio marítimo. Um jovem, bastante aflito, pediu-me ajuda para o apanhar. Tinha também o auxílio de um pescador bidente que falava bastante, mas num português indecifrável. A operação de resgate foi bem-sucedida, mas duvido que o telemóvel tenha voltado a funcionar. Ainda hoje penso nas palavras do pescador. Depois deste flashback decidi correr até casa para buscar material de salvamento, antes que o sol de ponha.
Voltei com um cabo de esfregona extensível e um arame, mas fiquei surpreendido por terem sido poucas as pessoas que se afastaram de mim. Ou eu não tenho uma presença ameaçadora, ou, como era na semana de Carnaval, pensaram que estava a desfilar num corso carnavalesco de ferro velho.
Cheguei ao sítio onde supostamente estariam as chaves, mas não reconheci os calhaus. Devia ter deixado uma marca, uma pedra, algo que me mostrasse sem sombra de dúvidas onde tinham caído as chaves, mas não fiz tal coisa e agora tudo me parecia diferente. Será que cheguei a correr assim tanto? Não tinham caído junto a uma pedra amarelada? Será que alguém viu as chaves a cair, apanhou-as e me irá visitar a meio da noite? Eram muitas as dúvidas e poucas certezas. Caminhei de cabeça baixa juntos aos pedregulhos, mas nada feito. Já estava a ficar de noite e acabei por desistir. Felizmente tenho chaves sobresselentes.
Ainda voltei no dia seguinte e percorri o passeio marítimo de cabeça baixa, quiçá batendo o recorde de quilómetros feitos com os olhos no chão, mas nem sinal delas. Talvez na semana da Páscoa junte uma quantas crianças e organize nessa zona uma caça às chaves do Coelhinho. Mas até lá, sempre que for correr no passeio marítimo, terei sempre a noção que estou a correr junto às minhas muito bem guardadas chaves.